Publicado por: Jéssica Rodrigues
Neste 8 de setembro, Dia Internacional da Alfabetização, Cabo Verde celebra 50 anos de independência e de luta pelo direito à palavra. Desde os primeiros tempos pós-coloniais, a alfabetização foi assumida como causa nacional, inspirada pelas ideias de Amílcar Cabral – “devemos aprender sempre” – e pela pedagogia libertadora de Paulo Freire. A missão era clara: devolver à população a voz, o saber e a possibilidade de agir sobre o mundo. O país deu passos firmes nesse caminho. Entre os anos 1980 e 2000, com campanhas sistemáticas, programas locais e o engajamento de comunidades, Cabo Verde reduziu drasticamente o analfabetismo. Em 2010, recebeu o Prémio Internacional de Alfabetização da UNESCO, reconhecendo o impacto dos seus programas, sobretudo entre as mulheres. Mas os desafios persistem. A extinção da Direção-Geral da Educação e Formação de Adultos fragilizou o setor, interrompendo o acompanhamento pedagógico e as políticas públicas estruturadas. Hoje, a alfabetização enfrenta novas formas de exclusão: a exclusão digital, a desinformação, o alheamento cívico. Saber ler e escrever já não basta – é preciso saber usar criticamente as tecnologias, compreender os direitos, participar nos debates públicos. Por isso, alfabetizar hoje é muito mais do que ensinar letras. É formar sujeitos conscientes, capazes de interpretar e transformar o seu contexto. Como afirmava Paulo Freire, “a alfabetização é um ato político”. E isso é particularmente urgente num país arquipélago como Cabo Verde, onde persistem desigualdades territoriais e falta de acesso às tecnologias digitais. Neste Dia Internacional da Alfabetização, e sob o lema proposto pela UNESCO – “Promover a alfabetização na era digital” –, renovamos o apelo à construção de uma nova agenda pública de educação de jovens e adultos. Uma alfabetização ampliada, crítica, integral. Uma alfabetização que liberta e dignifica. Cabo Verde tem memória, tem saber acumulado, tem gente comprometida. O que nos falta é reconstruir o pacto político, ético e institucional com o direito de todos e todas à palavra – em todas as idades e em todos os lugares. Porque alfabetizar é, também, restituir o lugar da esperança.
Autor: Florenço Mendes Varela

Sobre o autor:
O professor Florenço Mendes Varela é vice-diretor da Escola Universitária Católica de Cabo Verde. Doutor em Educação, tem desenvolvido estudos sobre políticas públicas de formação docente, educação de jovens e adultos e o legado de Paulo Freire em contextos africanos. Foi presidente do Instituto Universitário da Educação. Membro fundador do Instituto Paulo Freire de Cabo Verde, atua também na promoção da educação cidadã e da justiça social em territórios insulares.