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Núcleo de Educação Especial completa 30 anos

Núcleo de Educação Especial completa 30 anos O amplo espectro de atuação inicial do núcleo, hoje reduzido ao setor Braille, reflete as transformações da educação especial das últimas décadas
publicado: 14/09/2020 15h50, última modificação: 14/09/2020 16h22

Núcleo de Educação Especial completa 30 anos

 

O amplo espectro de atuação inicial do núcleo, hoje reduzido ao setor Braille, reflete as transformações da educação especial das últimas décadas

 

Dina Melo

 

O Núcleo de Educação Especial (Nedesp) realiza nos dias 6 e 7 de outubro a programação comemorativa aos seus 30 anos de fundação. Dois painéis, com o tema “Nedesp ontem e hoje: desafios e possibilidades para a inclusão de estudantes com deficiência na UFPB”, trarão a participação de professores ligados à área da educação especial, transcritores Braille e atuais e ex-alunos.

As transmissões vão das 16h às 18h pelo YouTube (canal Gepe UFPB) e StreamYard (disponível para iPhone e Android). As inscrições, que dão direito a certificado, são feitas pelo SigEventos até 3 de outubro.   

O encontro fará um retrospecto das diferentes fases vividas pelo setor desde a sua gênese, tendo atores de cada uma delas como participantes. Hoje o núcleo, situado no Centro de Educação do campus I, atende exclusivamente os alunos deficientes visuais da universidade e oferece serviços de transcrição de tinta para o sistema Braille, adaptação e impressão em alto relevo, manuseio de tecnologias assistivas e cursos de capacitação em iniciação ao Braille, orientação e mobilidade, audiodescrição e em outras especialidades, a exemplo do transtorno do espectro do autismo e da síndrome de Down.  

#PraCegoVer: em foto colorida, moça guia mulher vendada em oficina de orientação e mobilidade no Nedesp e passam por entre cadeiras e mesa.

 

História

O Nedesp chega à sua terceira década como um reflexo das fases que o atendimento especializado atravessou no Brasil até aderir à perspectiva inclusiva no ensino: primeiramente, de uma forma ampla, universal e difundida no atendimento a diversas deficiências – e hoje, restrito aos estudantes cegos e com baixa visão da instituição. Como se operou esta mudança?     

Primeiro, é preciso voltar no tempo e abrir o contexto. Apesar de ter sido criado oficialmente por uma resolução de 1990, o núcleo é produto da consolidação de anseios transformados em políticas assistivas aplicadas com sucesso, ao longo do tempo, envolvendo desde a assistência aos primeiros universitários com deficiência à capacitação de professores.

As primeiras iniciativas surgiram nos anos 1970, na esteira da criação das Escolas de Audiocomunicação (para surdos e deficientes auditivos) e de Educação Especial da Paraíba (para pessoas com deficiência intelectual), que foram a ponta de lança para o movimento inclusivo na universidade, com uma disciplina do curso de Pedagogia chamada Educação de Excepcionais em 1976, ministrada por professores especialistas da visão ( excepcional era a terminologia usada até o fim da década para designar  as pessoas com deficiência).

A boa repercussão da cadeira fez com que o Centro de Educação apoiasse novos projetos ligados à educação especial. Assim, dois anos depois, 34 professores saíam recém-capacitados nas áreas da deficiência mental, visual e auditiva (a prática de formação de professores foi uma constante dali em diante).

A partir de 1979, já dotado de espaço físico maior e pessoal qualificado, abre-se, de forma inédita, o atendimento ao público externo (notadamente crianças em idade pré-escolar e adolescentes), que se somaria ao dos graduandos com deficiência, já existente. Os pedagogos em formação podiam atuar como estagiários voluntários e monitores nos acompanhamentos.

 

#PraCegoVer: Nildo e Denise, ex-alunos da UFPB, em apresentação musical. Ele, sentado, toca violão. Ela canta.

Era o caminho para a construção de um setor com subdivisões bem delimitadas: serviço social (destinado às orientações e encaminhamentos iniciais), psicologia (não somente voltada para os pacientes, mas incluindo os familiares), pedagogia (com foco nos distúrbios de aprendizagem e seus gatilhos), psicomotricidade e o setor Braille. A maioria dos alunos era de baixa renda, encaminhada pelo Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW), da Escola de Fisioterapia, da rede pública de ensino ou de instituições de educação especial.  

Com a resolução de criação do Núcleo de Educação Especial, publicada em 1990, um regimento adicionou os cursos de formação e de extensão, bem como demais componentes pedagógicos (realização de seminários, palestras e simpósios), como uma ferramenta agregada de aperfeiçoamento dos envolvidos neste campo de trabalho.

 

Políticas inclusivas

O percurso até a inclusão enfrentou alguns tropeços institucionais. Quando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) entrou em vigor, em 1996, um capítulo específico afirmava que haveria, quando necessário, serviços de apoio especializado na escola para atender às peculiaridades da “clientela de Educação Especial”. As expressões “quando necessário” e “sempre que possível” abriam um precedente para que muitas adiassem a ideia de inclusão.

O resultado foram milhares de estudantes saindo de suas cidades para as capitais, onde puderam encontrar meios de estudar. Na Paraíba, esta foi a saída encontrada por 10 entre 10 alunos cegos não nascidos em João Pessoa ou Campina Grande, únicas onde havia Instituto dos Cegos.

Conta a pedagoga Mileide Moreira, 35: “O Instituto Adalgisa Cunha foi a casa que me acolheu entre 1990 e 2005, época em que ainda existia internato. Como eu era de Itabaiana, só voltava para a minha família a cada 15 dias e esta vivência construiu a base para a minha formação”, reconhece ela, que hoje busca o segundo diploma, em Jornalismo.

A turismóloga Kelly Silva, 27 anos, frequentou o instituto entre 2008 e 2009. Entrou quando tinha 15 anos e ainda enxergava; a distrofia na retina e a retinose pigmentar acabaram por deixá-la cega. “Foi como aprender a desbravar um mundo novo. Até chegar lá, lidava com muito bullying na escola devido à deficiência”, lembra ela, que chegou a contar com sala de apoio no contraturno do ensino médio, porém insuficiente, na sua avaliação.

No ICPAC, Kelly foi alfabetizada em Braille, conheceu o goalball e aprendeu atividades que lhe ajudaram a desenvolver a autonomia. “A estranheza de sair de casa [onde vivia com a mãe e as três irmãs] foi logo superada pela sensação de estar entre iguais. Ter vivido na instituição me estimulou a seguir os meus sonhos”, resume.

Kelly e Mileide são exemplos de uma história muito recente em que o atendimento educacional especializado (o AEE) ainda estava engatinhando no País – coisa que só se firmaria a partir de 2011, mas na prática, ainda se constrói. A inclusão, tornada obrigatória no ensino regular, redirecionou o propósito do Nedesp, que decidiu se voltar a um público mais específico.

 

O Nedesp vira o Setor Braille

O núcleo conservou o nome, porém, gradativamente, reduziu o leque de serviços especializados, extinguiu o atendimento ao público de fora e, de todas as funções, limitou-se às de suporte acadêmico aos cegos e com baixa visão. Restou aos servidores que ainda não haviam se aposentado adaptar-se às novas tarefas de adaptação e transcrição Braille. O núcleo tinha máquinas Perkins (de datilografia em Braille), reglete e punção para os trabalhos manuais, jogos educativos, gravadores e fitas cassete.

 

#PraCegoVer: Valéria datilografa na máquina Perkins. Ela tem os cabelos lisos, castanhos, na altura dos ombros.

E haja gogó! “Os textos menores, conseguíamos datilografar e entregar para os estudantes. Já os maiores tínhamos que gravar, senão não lhes passávamos a tempo. Muitas vezes, o jeito era terminar o trabalho em casa”, lembra, sem saudades, a revisora Braille Valéria Amaral.

Eram os anos 90, época ainda distante da agilidade dos ledores de smartphones e impressoras Braille. Na dinâmica da revolução digital, tecnologia assistiva estava a anos-luz de chegar (e bastaram pouco mais de 10 anos), não havia cotas e muito menos aluno apoiador. Mesmo com sérias dificuldades de ordem financeiro-estrutural, o Nedesp seguia com eventos educativos a cada semestre letivo e oficinas de orientação e mobilidade.    

Esta forma de encarar “na raça” um curso de graduação deu uma autonomia sem precedentes para egressos como Flaviano Nascimento, hoje doutor em Linguística. “Aos 14 anos e 11 meses, em 1999, tornei-me cego devido a uma acne nascida ao lado esquerdo da boca que provocou uma infecção grave no rosto, levando-me quase à morte”, conta. Saiu de sua Alagoa Grande natal para estudar no ICPAC e imergir no mundo tátil. Aprendeu a ler em alto relevo (e devorou a biblioteca do instituto), a andar só e a ter um horizonte profissional. Entrou para Letras em 2007.

“Após duas semanas, ainda tateando pela UFPB, conheci o Nedesp, o que mudou radicalmente meu modo de pensar aquele lugar. Pude obter material em Braille, gravações de livros em fita e algumas digitalizações. Ainda não usava computador, só o código tátil. Mais tarde, com a criação do Comitê de Inclusão e Acessibilidade, decisão acertadíssima da UFPB, eu e os outros cegos recebemos um notebook e um gravador de voz para facilitar nossa inserção na sala de aula. O Nedesp foi para mim tão importante quanto o Instituto: ali encontrei profissionais capacitados, compreensíveis e dispostos a ajudar cegos ou videntes”, elogia.

 

#PraCegoVer: Flaviano lê obra em Braille. À direita, sobre a mesa, o livro de cordel que escreveu, publicado em tinta.

 Os alunos

 

“Os funcionários do Nedesp sempre são receptivos, mesmo à distância, nesta época de pandemia. Quando chegam textos ilegíveis, como aqueles divididos em colunas ou mal escaneados, têm feito de tudo para manter a acessibilidade do material. Não houve barreiras. Eu, que achava que as aulas iriam parar nesta pandemia, tenho acompanhado remotamente e obtido o suporte necessário”.     

Andreza Xavier, aluna de Pedagogia, 22 anos

#PraCegoVer: fotografada da cintura para cima, Andrezinha veste blusa listrada de vermelho e branco. Tem os cabelos presos para trás e sorri.

 

“O Nedesp sempre me assistiu muito bem, desde o curso de Letras até agora, em Psicologia. Além de ser um serviço essencial à universidade, as pessoas de lá trabalham com muito afeto – que é o que faz toda a diferença”.

Juliana Nogueira, 30 anos

 

 #PraCegoVer: Juliana veste corpete vermelho e usa maquiagem leve. Tem as mãos na cintura, os cabelos lisos e castanhos e sorri.